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‘Quando a gente não atrapalha, a natureza responde rápido’
Confira a entrevista do jornalista André Trigueiro ao Boletim Phi
Já há consenso de que a pandemia de Covid-19 também é fruto da degradação ambiental – habitats violados podem incentivar processos evolutivos de doenças zoonóticas. Ironicamente, à medida que o coronavírus se espalha em todo o mundo, ameaçando vidas e a economia mundial, um efeito colateral tem sido a diminuição das emissões de gases de efeito estufa. Nas redes sociais, se propagam fotos de animais selvagens aparecendo em áreas urbanas e do céu estrelado como nunca antes visto. “Quando a gente não atrapalha, a natureza responde rápido”, diz o jornalista especializado em meio ambiente André Trigueiro, em entrevista ao Boletim Phi, destacando que, no entanto, o Brasil vai na contramão mundial e, com recordes de desmatamento, deve aumentar de 10% a 20% as emissões de gases. Também conversamos sobre os efeitos da Covid-19 para os povos indígenas da Amazônia e sobre a tendência de que os hábitos de consumo se tornem mais conscientes. Confira:
O quanto a natureza ganhou com o ‘mundo parado’?
No mundo, estudos indicam que haverá uma redução de 6% nas emissões de gases de efeito estufa, o que é um baita freio de arrumação. Infelizmente isso veio a partir de uma pandemia monumental, mas ajuda a cumprir o Acordo de Paris. Agora, o Brasil foi na contramão e deve fechar 2020 com um aumento de 10% a 20% das emissões por causa do desmatamento, gerando perplexidade e preocupação na comunidade internacional. Os efeitos desta quarentena no mundo foram as águas de Veneza ficando cristalinas, os animais silvestres aparecendo livres, leves e soltos em áreas urbanas, a possibilidade de quem mora em São Paulo enxergar estrelas por causa da redução da poluição… O recesso estabeleceu uma cessação de movimento de atividade econômica que nos permitiu ver com muita clareza que, se a gente não atrapalha, a natureza responde rápido. Isso é um sinal de esperança. Se isso vai determinar alguma mudança? Esperamos que sim. As novas gerações estão chegando com muita cultura e assertividade. São mais sensíveis ao desejo de não se alimentar de proteína animal, por exemplo. E aí você tem grandes frigoríficos mudando seu planejamento estratégico e começando a ofertar, por exemplo, hambúrguer vegetal. Isso é uma resposta a uma nova cultura alimentar que vem de baixo para cima e que quem não está precisando atenção nas mudanças precisa se adaptar para não sofrer estragos.
Qual a relação do desmatamento com o surgimento de doenças como a Covid-19? Devemos esperar por outras pandemias?
Existem indícios de que outras enfermidades do fim do século passado para cá teriam ocorrido a partir da expansão do desmatamento e o contato de pessoas com vírus que ocorriam endemicamente em animais silvestres dentro das florestas. Todo vírus é mutante, mas quando você estabelece um contato com a ingestão de animais que carregam esses vírus ou quando esses animais estabelecem contato com outros animais que a gente come ou domestica, há uma promiscuidade viral que pode determinar a aceleração da mudança da fisiologia do vírus. Existem evidências de que o vírus HIV, por exemplo, estaria circulando endemicamente na população de símios numa determinada região da África e o avanço do desmatamento e o contato dos humanos com os macacos determinou essa transposição do vírus para nós. Gripe suína, gripe aviária e, mais recentemente, o coronavírus, são outros exemplos. No caso do coronavírus, existiria, portanto, uma relação nossa com animais que habitam grotões encapsulados da floresta e a outra hipótese é que tenha sido nesses mercados de animais vivos, um ambiente que também favorece a mutação desses vírus. Conversei recentemente com um pesquisador da Universidade de Fortaleza, que está estudando esse tema, e ele está preocupado com a expansão do desmatamento no Brasil e com os eventuais microorganismos que estavam sossegados numa área que não havia contato conosco, mas que nós possivelmente estamos precipitando a expansão deles na nossa direção.
Com a chegada do coronavírus nas comunidades indígenas, qual cenário poderá se desenhar?
Historicamente, nunca prestamos muita atenção na importância de uma Funai forte, com orçamento, indigenistas, antropólogos e uma legislação que proteja os direitos dos povos originais. Com o desmonte das políticas ambientais e de proteção dos indígenas, o advento da pandemia e diante da vulnerabilidade extrema desses povos, criou-se uma conjuntura que é a tempestade perfeita. Os indígenas não têm a imunidade que temos nos centros urbanos. São muito mais vulneráveis, por exemplo, ao influenza, o vírus da gripe. Então, estamos testemunhando o risco de um etnocídio, porque certos agrupamentos são muito pequenos. Se uma cultura onde sobraram 50 indivíduos tem contato com o coronavírus, que é agressivo e letal, acabou, aquela cultura morre. Isso é muito grave. Há uma ilegalidade determinada pela ação de garimpeiros, grileiros, pecuaristas, madeireiros, em várias regiões do Brasil, especialmente no Norte. Essas invasões e os incidentes violentos aumentaram de um ano e meio para cá. Existem mais de 20 mil garimpeiros instalados ilegalmente dentro da Reserva Yanomami. Este ano não haverá o tradicional ritual do Quarup em algumas comunidades do Parque Nacional do Xingu, porque eles estão apavorados. Isso obviamente não repercute somente aqui dentro. Lá fora, a questão ambiental e indígena determina impactos econômicos devastadores para o Brasil, a começar pela não ratificação do Acordo Comercial entre Mercosul e União Europeia, o maior da história, por conta da cláusula ambiental que o Brasil não estaria respeitando. As grandes carteiras de investimentos do mundo estão cada vez mais seletivas e não querem aplicar o dinheiro em projetos ou países que não respeitam legislação ambiental ou direitos dos povos originais, simples assim.
Como você enxerga o mundo e as pessoas no pós-pandemia?
Minha presunção é que boa parte das pessoas que está passando por essa experiência sairá de alguma forma diferente. Pais que tiveram um contato que não tinham antes com os filhos, por exemplo. Isso marca a vida daquela comunidade familiar, há um impacto – que pode ser positivo ou negativo, também houve um aumento da violência doméstica. Mas penso que essa mudança na rotina trouxe a possibilidade de as pessoas refletirem sobre o que convém manter depois que a pandemia passar. Esse freio de arrumação nos traz oportunidade de fazer algo diferente, uma revisão de processos. Isso já aconteceu na gestão pública e no setor privado em vários lugares. Amsterdã está se reerguendo seguindo um modelo de desenvolvimento inspirado num livro de uma economista de Oxford chamado Economia Donut, um sistema mais sustentável e socialmente justo, em contraponto ao crescimento a qualquer custo. A prefeitura de Londres está adotando medidas para estimular o uso de bicicletas num retorno lento e gradual para a rotina, evitando aglomerações em transportes públicos e ao mesmo tempo incentivando um hábito mais saudável e sustentável. Há um novo mundo sendo gestado.
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Boletim Phi: Plantando o amanhã
Ninguém duvida de que o mundo pós pandemia será outro. Além da forte recessão e das vidas perdidas, uma coisa é certa: a busca por um planeta mais sustentável terá de deixar de ser discurso. Nesta edição do Boletim Phi, trazemos o assunto à pauta, com uma entrevista com o jornalista especializado em meio ambiente André Trigueiro e uma matéria sobre a Gringa, e-commerce de moda consciente de Fiorella Matheis. Clique aqui e confira!
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Itália se torna o primeiro país a tornar obrigatória a educação para as mudanças climáticas
*Artigo de Jessica Stewart originalmente publicado no site My Modern Met
Quando o ano letivo de 2020 começar, a Itália será o primeiro país do mundo a incluir horários obrigatórios de ensino sobre assuntos relacionados a questões climáticas. De acordo com o ministro da Educação italiano, Lorenzo Fioramonti, serão 33 horas por ano incorporadas ao currículo sobre esse assunto urgente.
Com Greta Thunberg na liderança, jovens do mundo todo estão cada vez mais engajados na defesa do meio ambiente. E agora as gerações futuras da Itália estarão mais informadas do que nunca sobre os riscos que nosso planeta enfrenta. Esta é apenas uma parte do esforço geral da Itália para colocar a sustentabilidade e o clima no centro da educação.
“A ideia é que os cidadãos do futuro estejam preparados para a emergência climática”, disse o porta-voz de Fioramonti, Vincenzo Cramarossa.
Para que isso aconteça, as horas obrigatórias de ensino serão incorporadas às aulas cívicas existentes. Além disso, a sustentabilidade começará a aparecer como um tópico nas aulas tradicionais como geografia, matemática e física.
Para orientar o projeto, o ministério reuniu um painel de especialistas que inclui Jeffrey Sachs, diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, e o teórico econômico e social americano Jeremy Rifkin.
“Quero tornar o sistema educacional italiano o primeiro que coloca o meio ambiente e a sociedade no centro de tudo o que aprendemos na escola”, disse Fioramonti.
Fioramonti, que pertence ao Movimento Cinco Estrelas (que representam cinco prioridades: água, meio ambiente, mobilidade, conectividade e desenvolvimento) foi criticado durante seu tempo no cargo por apoiar estudantes que protestam contra as mudanças climáticas. Ele também recebeu uma reação negativa por impostos propostos sobre passagens aéreas, alimentos plásticos e açucarados, a fim de financiar a educação. No entanto, o imposto sobre plástico e açúcar foi incorporado ao orçamento do governo para 2020, um sinal de que a Itália está pronta para mudanças progressivas.
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