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O poder do ‘nós’: a formação de redes como capital filantrópico central

Há algum tempo, as pesquisas em ciências sociais e humanidades têm deixado de pensar o capital somente do seu ponto de vista econômico e financeiro. São diversos os autores e correntes que passaram a indicar que existem diversos capitais que podem ser incorporados pelas pessoas, com variações sobre seu valor, a depender do contexto em que o indivíduo se encontra. Assim, capitais culturais, sociais e simbólicos (notoriedade e fama, por exemplo) mudam de significado, valor e sentido, de acordo com o lugar e o período histórico em que se vive. Em algumas sociedades, um diploma de médico pode ser mais ou menos valorizado, determinado traço de beleza pode ser mais ou menos atraente etc. 

Isso não se trata apenas de uma curiosidade, pois as diferentes valências dos capitais que uma pessoa herda ou adquire ao longo da vida sempre mediram as oportunidades e possibilidades deste indivíduo, nas mais variadas esferas da sua trajetória (escolar, profissional, emocional etc). Mas não são somente os capitais mencionados podem afetar os caminhos e percursos possíveis de uma determinada pessoa: a rede de laços sociais que ela constrói ou herda é extremamente relevante, pois como sugere Marques (2009): “as redes de um indivíduo medeiam o acesso dos indivíduos a estruturas de oportunidades.” 

Em seu estudo sobre redes sociais e pobreza urbana, o autor procura identificar se as redes de relacionamento das pessoas fazem diferença em termos de ascensão social e acesso a oportunidades. A ideia do autor é pensar a pobreza de maneira multidimensional, e não apenas olhando para os dados econômicos rotineiramente avaliados, como renda, ocupação e bens. Ou seja, sua visão é de que somente aspectos econômicos são insuficientes para se compreender o fenômeno da pobreza, pois tendem a descontextualizar o indivíduo, tratando-o como uma espécie de átomo isolado e que se encontra em situação de vulnerabilidade por comportamentos ou decisões individuais equivocadas. 

Ao olhar para o conjunto de relações sociais que indivíduos em diferentes situações de pobreza se encontravam em comparação a outros indivíduos de classe média, o autor notou o seguinte cenário: “e, quando comparadas com as redes de classe média, as redes pessoais de indivíduos pobres tendem a ser menores, mais locais e menos variadas em termos de sociabilidade.” (Marques, 2009, p. 480). 

Essa rede menor, mais local e menos diversificada dos pobres em relação à da classe média tendia a torná-los menos hábeis em mobilizar ajudas sociais através de seus contatos, pois possuíam poucos vínculos, normalmente de pessoas da sua mesma região, que não tinham acesso igualmente a serviços públicos e outras oportunidades sociais, e por consequência menos chances de conhecer alguém que pudesse oferecer um caminho para mudar sua situação ou lhe desse um impulso para alargar seus laços. 

Apesar de não existir um estudo específico sobre organizações sociais e suas redes de

vínculos, podemos pensar que o mesmo princípio que se aplica a indivíduos poderia se aplicar às OSCs. Menos conhecimentos de atores diversificados do ecossistema filantrópico, em termos de território e posições sociais, pode deixar uma organização mais isolada e com menores chances de acesso a oportunidades em relação a outras, com abundância de vínculos, para os quais os diversos tipos de capitais chegam facilmente. 

Neste quesito, o fortalecimento e a participação em fóruns, conselhos e programas de fellows, entre outros, são muito relevantes, pois podem ir gerando aos poucos um capital social relacional que, no curto, médio e longo prazo, poderão significar acesso a oportunidades de financiamento, capacitação e conexão com novos doadores e públicos, que são potenciais agentes de consolidação e fortalecimento institucional da OSC. 

A organização alimentando uma rede ampla, territorialmente diversa e com acesso a diferentes formas de sociabilidades (empresas, grandes doadores, micro doadores, comunidade local, outras organizações sociais, fundações, consultorias, intermediários) tem potencialmente mais chances de ampliar sua estrutura de oportunidades, podendo acessar espaços, recursos e pessoas que, em um primeiro momento de isolamento, julgava inacessíveis. 

Dessa maneira, o impacto gerado pelas organizações não é alcançado somente por meio de recursos financeiros ou conhecimento interno. Elas dependem significativamente de um recurso intangível e poderoso conhecido como capital social, que é construído a partir de suas redes e relacionamentos com outros atores em seu ecossistema. 

O capital social não se limita apenas ao aspecto financeiro, mas abrange uma rica rede de conexões interpessoais, confiança mútua e valores compartilhados. É um ativo valioso que influencia diretamente na capacidade de uma organização social enfrentar desafios complexos e alcançar a sustentabilidade. 

As redes de relacionamento são o alicerce desse capital social. Elas são formadas através de uma variedade de interações, como eventos, cursos, workshops, visitas institucionais e, essencialmente, pelo compartilhamento de informações e conhecimento. Nestes ambientes, os valores e expectativas comuns emergem, fornecendo a base para parcerias estratégicas e para a distribuição eficiente de recursos disponíveis no ecossistema. 

No entanto, é vital enfatizar que apenas a participação passiva em redes não é suficiente para superar as limitações das organizações sociais. O simples ato de conexão não garante que elas alcancem seus objetivos. É necessário ir além e estabelecer ligações eficazes e estratégicas com outras entidades do setor que compartilham causas semelhantes. 

Além disso, a sustentabilidade vai além da captação de recursos financeiros. É também uma questão de flexibilidade e adaptação às mudanças no ambiente. As organizações sociais que funcionam em redes de troca de conhecimento se mostram mais flexíveis e dinâmicas, permitindo que se ajustem rapidamente às novas questões sociais em constante evolução. 

Um elemento crucial no fortalecimento das redes e no desenvolvimento do capital social é a confiança. Esta é uma moeda valiosa que se acumula ao longo do tempo por meio de relacionamentos sólidos e pela abertura e presença contínua no ecossistema. A confiança é um fator-chave que impulsiona a colaboração entre os diversos atores do ambiente e, muitas vezes, é conquistada com base em critérios sociais, culturais e históricos compartilhados. 

Quando se fala em escolhas estratégicas, pensamos em definir bem os objetivos que a organização almeja alcançar e qual seu perfil de cultura interna, além de sua causa social, pois a depender desses e de outros fatores conexões com famílias, indivíduos, grandes empresas, organizações internacionais, podem fazer mais ou menos sentido. Para construir confiança é necessário demonstrar transparência sobre sua estrutura de governança e movimentação financeira, bem como sobre os resultados que se vêm obtendo a partir de suas ações e aproximar-se da comunidade a qual está vinculada. 

Em resumo, o capital social e as redes de relacionamento desempenham um papel fundamental na capacidade das organizações sociais de enfrentar desafios e causas sociais. Ir além da mera conexão e estabelecer parcerias estratégicas, adaptar-se às mudanças e construir confiança são elementos essenciais para a sustentabilidade e o impacto positivo dessas organizações no desenvolvimento e inclusão social em comunidades vulneráveis. 

MARQUES, E. C. L.. As redes sociais importam para a pobreza urbana?. Dados, v. 52, n. 2, p. 471–505, jun. 2009. 

MARTELETO, Regina; SILVA, Antônio. Redes e capital social: o enfoque da informação para o desenvolvimento local. Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 3, p.41-49, set./dez. 2004. 

Por: Marcello Stella e Carolina Carvalho

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