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Amazônia, a nova Minamata?’ lança luz sobre contaminação por mercúrio

Confira a entrevista do Instituto Phi com a produção do documentário, que lança agora sua campanha de impacto

Fonte: Divulgação

No Brasil, a Saúde Indígena identificou a solicitação por cadeiras de rodas, entre 2012 e 2016, para 178 crianças na região do Tapajós. A questão despertou a curiosidade de médicos e pesquisadores, que já suspeitavam do motivo do problema: o mercúrio usado no garimpo ilegal de ouro e descartado indiscriminadamente nos rios. Este foi o ponto de partida do documentário “Amazônia, a nova Minamata?”, dirigido por Jorge Bodanzky, que foi lançado este ano e retrata a saga do povo Munduruku em sua batalha para conter a contaminação.

O projeto foi um dos selecionados pelo programa internacional Good Pitch Brasil – que conecta os melhores documentários de impacto com agentes de transformação social, e que tem o apoio do Instituto Phi. Agora, o filme lança também uma campanha para engajar a população no combate ao garimpo ilegal e buscar por ações concretas que garantam a saúde dos indígenas e seus territórios.

Além de crianças nascidas com malformações e atrasos no desenvolvimento, adultos apresentam problemas de visão e relatam tremores e fraqueza. O mercúrio polui a água, o solo e o ar, e contamina peixes e pessoas. Desde o início do filme, em 2016, mais de 50 destas crianças com problemas neurológicos graves vieram a óbito.

No fim de setembro, a equipe do filme, lideranças indígenas, cientistas e parceiros participaram de uma roda de conversa no Espaço de Cinema Itaú-Unibanco para falar sobre os rumos do enfrentamento à contaminação por mercúrio no Rio Tapajós e imediações. O Instituto Phi conversou com Nuno Godolphim, documentarista e um dos produtores do filme, confira:

Como surge a ideia do documentário?

Nuno: Era 2016, eu e o Bodanzky estávamos rodando a Amazônia em um outro projeto, uma série da HBO, e fomos parar nesta aldeia, numa espécie de assembleia onde eles estavam comemorando o fato de terem conseguido parar o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós no território ancestral. Estávamos documentando este espírito de vitória e pensando em como o ativismo estava conseguido fazer coisas incríveis, afinal o fato era um marco na história do movimento indígena e ambiental brasileiro. No meio desta festa, uma figura destoava. Era o neurologista Erik Jennings (Secretaria de Saúde Indígena). Ele havia sido chamado pelo DSEI do Tapajós para investigar a razão de tanta demanda por cadeiras de rodas entre os Mundurukus. Na hora, percebemos que precisávamos contar essa história.

E como se desenvolveu a construção do roteiro?

Nuno: O Dr. Erik comentou sobre a história de Minamata, no Japão, onde na década de

50 uma fábrica despejou toneladas de mercúrio na baía, provocando uma catástrofe ambiental, matando centenas de pessoas e deixando milhares com sequelas até os dias de hoje. Coincidentemente, quando comecei minha carreira, um dos fotodocumentaristas que mais chamou minha atenção foi Eugene Smith e as imagens mais impactantes que eu já tinha visto dele eram as das vítimas de Minamata. Essas fotos correram o mundo e chamaram a atenção para o problema. Então, quando fui para a Amazônia pela primeira vez, em 1987, trabalhando para o Projeto Saúde e Alegria, já tinha notícia do perigo do mercúrio, ainda que não houvesse casos relatados de contaminação. Porém, o impacto do mercúrio no sistema nervoso central demora anos. Quando começamos a pesquisa do filme, descobrimos que médicos da Fiocruz já tinham feito uma pesquisa sobre a contaminação de mercúrio com o povo Yanomami. A líder Munduruku Alessandra Korap, quando percebeu que havia algo errado com a saúde de seu povo, os convidou a investigar a causa.

O que mais te impactou durante as filmagens na Amazônia?

Nuno: Não é só sobre como a Amazônia está sendo destruída e negligenciada, mas como as populações indígenas se tornaram reféns do garimpo. Os indígenas sustentaram por anos uma cultura independente, sem depender da sociedade branca, até que chegam invasores com máquinas pesadas que escavam o leito dos rios e espantam toda a sua caça e pesca, acabando com seu modelo de subsistência. A população começa a passar fome e aí o garimpeiros vêm e oferecem cestas básicas, colocam os povos ancestrais para trabalhar como empregados em suas próprias terras. Então, o que mais me marcou foi a resistência da própria população indígena em denunciar o garimpo.

Foi arriscado para a equipe filmar lá, denunciando essas atividades ilegais?

Nuno: As filmagens ocorreram entre 2019 e 2021. Nesta ocasião, a líder Alessandra Korap já vivia sob ameaça sistemática de morte, não por causa do filme, mas por ser defensora do território indígena de longa data. O Dr. Erik também passa por constantes ameaças até hoje. No filme, acompa,nhamos ele sendo ameaçado de morte pelos indígenas ligados ao garimpo. Nossa equipe foi ameaçada junto e eles tiveram que escapar enquanto o avião deles estava sendo atacado no aeroporto de Jacareacanga. O filme também mostra a casa da Maria Leusa, outra liderança Munduruku do Alto do Tapajós, sendo incendiada. Nesta época os garimpeiros atacaram a Polícia Federal que vai para Jacareacanga tentar controlar a atividade garimpeira. No governo Bolsonaro, esses garimpeiros foram empoderados, ganharam apoios de políticos locais, tornando esta região do Pará uma terra sem lei.

Fonte: Divulgação

O que é a campanha de impacto?

Nuno: Queremos pressionar o governo brasileiro e demais instituições a se mobilizarem em busca de soluções para conter esta dramática contaminação. Outro passo importante da campanha de impacto é a tradução e dublagem do filme nas línguas da Aliança dos Povos Indígenas pela Defesa do Território, que uniu Munduruku, Yanomami e Kayapó na luta contra o garimpo. Queremos fazer um circuito de exibição do filme dublado no maior número de aldeias possíveis, destes povos que são os mais atingidos pelo garimpo, visando empoderar a população indígena, através do esclarecimento em suas próprias línguas e para que eles próprios se afastem da atividade garimpeira. Queremos também envolver instituições de saúde para promover ações que ajudem as populações atingidas a descobrirem o estágio atual da contaminação em seus corpos e territórios, visando identificar os casos mais urgentes para tratamento em Santarém. Além disso, precisamos promover tecnologias e soluções práticas de saneamento e segurança alimentar, além de outras ações de desenvolvimento comunitário para garantir alternativas econômicas ao garimpo para o povo dos Munduruku. Por fim queremos fazer um chamamento aos cientistas para buscar formas de descontaminar os rios da Amazônia do mercúrio. Pois se nada for feito este mercúrio vai ficar ativo lá por mais de 100 anos. A campanha está em fase de arrecadação de financiamento.

Que desdobramentos são esperados com o filme e a campanha?

Nuno: Precisamos de uma política Panamazônica de enfrentamento ao garimpo e banimento do uso do mercúrio na atividade mineradora, envolvendo outras populações que vivem na Amazônia, de países como Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname. Os danos causados são incalculáveis e de difícil reversão. Estamos começando uma discussão de nível internacional também junto com a Comissão de Minamata, que foi criada para erradicar definitivamente o uso do mercúrio no mundo, revisando as políticas sobre a mineração dita de pequena escala, mas que tem grande impacto na floresta. Também queremos fomentar um movimento para que a Organização Mundial de Comércio proíba o comércio do mercúrio em todo o planeta.

Para informações sobre apoio à campanha, entre em contato através do e-mail amazoniaminamata@gmail.com.

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