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Projetos Apoiados miséria

Retratos da Miséria

Rio de Janeiro

Diante do isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, muitas pessoas com trabalhos informais ficaram sem condições de conseguir o seu próprio sustento e começaram a passar fome. Além disso, itens de higiene e limpeza eram essenciais para se conter a disseminação do coronavírus, mas como famílias que mal tinham dinheiro para comer iriam comprar sabão, shampoo, detergente, álcool gel…? Assim, o Movimento União Rio lançou a campanha RioContraCorona, gerida pelo Instituto Phi, Banco da Providência e Instituto Ekloos. Com as doações em dinheiro da população, desde o dia 24 de março até o momento (15 de julho), mais de 240 mil famílias de 237 comunidades cariocas vêm recebendo alimentos e produtos de higiene e limpeza. Aqui, você conhece as histórias de algumas beneficiárias desta ação.

Cinthia, da Favela Gogó da Ema

Existe uma Uganda aqui no Brasil. Metade da população brasileira, quase 104 milhões de pessoas, vive com no máximo R$ 413 por mês, com 13,5 milhões de miseráveis que vivem com até R$ 145 mensais.

As Ugandas cariocas estão em muitos lugares. No Gogó da Ema, no bairro de Guadalupe. Na Pedra do Sapo, no Complexo do Alemão. Ou numa área que de tão maltratada é conhecida como “Fim do mundo”, no bairro de Costa Barros. Está em muitas comunidades que estão à sombra do poder público há décadas.

Chintia Rodrigues mora na Favela Gogó da Ema. Ela foi uma das beneficiadas com a cesta básica e o kit de material de limpeza e higiene da campanha RioContraCorona, do Movimento União Rio. A faxineira de 35 anos (na foto, com a cesta na mão, ao lado da filha) mora num barraco de madeira com o marido Júnior e cinco filhos, de 1 a 15 anos. A mais velha, de 16, saiu de casa e está esperando o primeiro neto de Chintia.

A renda mensal da família é de R$ 300, das faxinas que Chintia faz num prédio. O marido, desempregado, antes da pandemia de Covid-19 fazia bicos tirando entulho de obras com sua charrete. Agora, as obras pararam.

“É muita boca pra comer, a gente já estava sem nada”, disse Chintia, que ia preparar o macarrão que veio na cesta para o jantar.

A pandemia de Covid-19 acabou nos colocando de frente para o pai e mãe desempregados, para a criança sem comida e sem escola, para o idoso sem um teto pra morar. Chegou a hora de voltarmos os olhos para a nossa gente. Se você quer fazer parte dessa corrente de solidariedade, faça sua doação.

Kelly, de Campo Grande

Em Comari, sub-bairro de Campo Grande, Kelly Cristina e sua família dependiam das doações de roupas usadas da vizinhança para vender no brechó que montaram na porta de casa e obter alguma renda para pagar contas e comprar comida. Mas com o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, ela não recebe mais doações e ninguém aparece para comprar. E a fome, mal milenar, assombra.

Kelly, de 31 anos, mora com o marido, dois filhos, de 6 e 13 anos, e uma enteada, de 15. Antes da pandemia, as crianças eram atendidas por uma organização social local, o NEAC – Núcleo Especial de Atenção à Criança, onde participavam de programas de educação e artes. Lá, Kelly recebeu o cartão pré-pago carregado com R$ 200 da campanha RioContraCorona, do Movimento União Rio, e comprou comida para a família.

“Tenho sentido muita tristeza por conta de toda essa dificuldade que estamos passando, já teve dia de não ter nada o que comer. Mas sou muito grata ao NEAC e às organizações que levam doações para o Neac, sem eles não sei como poderíamos sobreviver”, diz ela.

Dona Arlete, do Morro da Quitanda

Na casa com piso de cimento e paredes sem emboço numa viela do Morro da Quitanda, em Costa Barros, Dona Arlete Paula de Oliveira, 59 anos, mora com sete familiares: dois de seus quatro filhos, uma nora, quatro netos. “E Deus”, ela diz.

Antes da pandemia de Covid-19, a miséria já espreitava a família. A única renda fixa é o benefício de prestação continuada de um salário mínimo mensal que um dos filhos de dona Arlete recebe, por incapacidade permanente – há anos, ele foi diagnosticado com o mal de Alzheimer. O outro filho, às vezes, conseguia um bico. Agora, não mais.

“Costumamos comer só arroz e feijão. Quando não tem nem isso, comemos mingau de fubá”, conta Dona Arlete, acrescentando que a preocupação maior é quando falta leite para a neta caçula, de dois anos.

Ela recebeu a cesta básica e os produtos de higiene e limpeza da campanha RioContraCorona, do Movimento União Rio, através da ONG Recriando Raízes, que atua na região.

María, de Guaratiba

A definição clássica de refugiado é “o imigrante que sofre de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, política ou grupo social “. No entanto, a Acnur, agência da ONU para refugiados, já incorpora as características de uma crise humanitária: fome, ausência de serviços básicos e perda de renda – interpretação que abarca, por exemplo, a população que foge da Venezuela por conta da crise generalizada no país. Caso da família de Maria Alejandra Escobar, que há dois anos veio para o Brasil, viveu um ano em Roraima e então mudou-se para o Rio.

María vive com o marido e oito filhos pequenos num casa alugada em Guaratiba, bairro que tem o 118º pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da lista de 126 bairros do município. O casal vivia na Venezuela da venda de legumes, frutas e verduras, mas com a crise política e econômica, perdeu tudo. Eles foram para Roraima, mas também lá acabaram morando na rua e tirando sobras de comida do lixo para comer. Conseguiram vir para o Rio e, desde março, com a ajuda da Mawon – ONG que promove a integração de imigrantes em vulnerabilidade no Brasil, através da educação, da cultura e da geração de renda – o marido de María trabalha num supermercado, com salário líquido de R$ 1.110.

“Mas pagamos aluguel de R$ 600, luz e gás, então não sobra muito para comprar comida, fraldas e leite. Cinco crianças estavam na escola e se alimentavam lá, mas agora estão em casa e não conseguimos o auxílio emergencial do governo”, conta.

Ainda assim, María considera a situação da família melhor que quando viviam na Venezuela:

“Eu amava meu país, que é lindo, mas há problemas de abastecimento de alimentos e a população está desesperada. Aqui, há pessoas muito boas que nos ajudam, como vocês, com essas cestas básicas”.

Dona Cláudia, de Santa Cruz

Há oito anos, Cláudia Aparecida da Silva, de 54 anos, teve o terceiro AVC, que a deixou com sequelas – ela precisa da ajuda de uma muleta para andar. Mas, como até hoje não conseguiu nenhum benefício do governo, não deixou de trabalhar como catadora de lixo reciclável para se sustentar. Até a pandemia de Covid-19.

“Trabalhava por conta própria, catando lixo nas ruas e vendendo para cooperativas. Tirava R$ 500, R$ 600 por mês. Agora, com o isolamento, estou sem renda”, conta Dona Cláudia, que é analfabeta.

Mãe de três filhos já adultos, um deles desaparecido, a catadora mora sozinha numa casa de um cômodo na comunidade de São Fernando, em Santa Cruz. O barraco, com chão de terra batida e paredes sem emboço, tem goteiras quando chove e um vaso sanitário numa área que nem telhado tem. Ela espera por doações de material de construção para terminar a casa. 

“Minha filha às vezes ajuda, mas ela também é catadora de lixo e está sem renda. O pessoal da (ONG) Fios da Terra é quem tem me ajudado com as cestas básicas da campanha do Movimento União Rio”. 

Sobre a crise e as dificuldades econômicas, ela diz que “confia em Deus que vai ficar tudo bem”:

“Já sobrevivi a tanta coisa, estive numa UTI três vezes. Não vai ser isso que vai me derrubar”.  

Carla, da Chatuba

Num quarto de uma casa de cômodos, no bairro da Chatuba, município de Mesquita, Carla Cristina Martins mora com o marido Jefferson Martins e suas quatro filhas, com idades entre 3 e 12 anos. O banheiro é compartilhado com os ocupantes dos outros oito quartos da habitação coletiva. Jefferson sustenta a família trabalhando como coletor de lixo – ele recebe um salário mínimo (R$ 1.045).

Antes da pandemia de Covid-19, Carla acordava quando o sol nascia para arrumar as quatro meninas – as duas mais velhas iam para a escola pela manhã e, à tarde, para o Instituto Mundo Novo, uma instituição sem fins lucrativos que oferece projetos educacionais, culturais e profissionalizantes para crianças e jovens da região. Já as duas mais novas iam para a ONG pela manhã, onde frequentavam a creche, e passavam a tarde em casa com a mãe.

“Agora, com as quatro crianças em casa o dia inteiro, os gastos com alimentação aumentaram. Graças a Deus contamos com o Mundo Novo, que nos ajuda com doações, como as cestas básicas, e ainda passa atividades para as meninas fazerem em casa”.

Carla é uma das beneficiárias da campanha RioContraCorona, do Movimento União Rio.

Angélica, de Manguinhos

Ana Cristina, de 7 meses, tinha uma irmã gêmea, Ana Clara. Mas as bebês nasceram prematuras e, com um mês, Ana Clara acabou morrendo. Ana Cristina é a caçula de Angélica Gomes, que mora em Manguinhos, numa casa de apenas um cômodo com cinco filhos, que cria sozinha. Ela tem seis, mas o mais velho, de 13, mora com a irmã.

O pai das crianças maiores foi assassinado e o segundo companheiro, pai das bebês, foi embora. Desde que perdeu o emprego de ajudante de cozinha num restaurante, há quatro anos, Angélica não conseguiu mais emprego. Sustenta a família com o Bolsa Família (R$ 291), mais uma pensão de R$ 218 que recebe pelo filho mais velho, o único que foi registrado pelo pai – ele teve filhos com outras mulheres e o valor é dividido entre eles.

Para compor a renda, Angélica costuma catar latinhas para vender para a reciclagem, mas diz que com a pandemia de Covid-19, até isso ficou mais difícil. Além disso, as crianças estão em casa e a demanda por alimentos aumentou. Através da ONG local Origem Amorim, Angélica ganhou duas cestas básicas da campanha RioContraCorona, promovida pelo Movimento União Rio.

“Não consegui o cartão alimentação nem cesta básica pela escola. A bebê tem anemia falciforme, só pode tomar o leite Nan, que é caro. Graças a Deus, há pessoas boas no nosso caminho, como o pessoal da Origem Amorim, que trouxe as cestas básicas, além de fraldas, leite e lenço umedecido, e a dona de uma pensão próxima, que às vezes traz comida para minhas crianças”.

Jaqueline, do Final Feliz

Na comunidade com o sugestivo nome de Final Feliz, no Complexo do Chapadão, Jaqueline Lindozo Silva, de 37 anos, tenta sobreviver. Ela e o marido, Marcos, estão desempregados e vivem de bicos – ela cata recicláveis e ele faz umas capinas. E era assim que sustentavam a filha Yasmin, de 13 anos. Com a pandemia, o pouco virou quase nada.

Jaqueline tem o Bolsa-Família, mas o benefício está bloqueado: seu outro filho, Wendel, de 14, que mora com a avó materna no Morro da Pedreira (próximo ao Chapadão, mas dominado por uma facção rival), parou de frequentar a escola no ano passado sem que ela soubesse. Este ano, Jaqueline descobriu e tentou matricular o menino, mas não conseguiu vaga.

Ela tem ainda outra filha, Luana, de 21 anos, que também mora com a avó. A moça é bombeira e estudante de Direito, para orgulho da família, mas o salário vai todo para pagar a faculdade.

A pandemia de Covid-19 preocupa Jaqueline, que é diabética, mas ela fica aflita principalmente por causa da filha Yasmin, que tem bronquite asmática.

Há três anos, o barraco onde a família morava pegou fogo. Com a ajuda da comunidade, eles conseguiram um outro barraco para morar, mas não tem banheiro e eles têm de usar o quintal mesmo.

“Perdemos tudo. Sou muito grata ao pessoal do Museu do Graffitti, que ajudou a tirar meus documentos, me ajudou com doações e agora me deu as cestas básicas dessa campanha RioContraCorona, do Movimento União Rio”.

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