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Do interior do Acre, uma revelação em piano erudito
25 de março de 2022 Instituto Phi
Tirar um piano às pressas da casa que alagava com a cheia do Rio Juruá foi só mais um desafio na vida de Lorrana Monteiro, de 18 anos. Filha de uma feirante, criada sem o pai, ela mora numa casa ribeirinha em Cruzeiro do Sul, no Acre. Mesmo sem nenhuma referência familiar na música, Lorrana se interessou por estudar piano erudito. Com apoio do Conservatório Musical do Vale do Juruá, projeto social apoiado pelo Movimento Bem Maior, com gestão do Instituto Phi, ela está tornando realidade o que parecia um sonho impossível.
“Em 2018, descobri que havia um Conservatório de Música na cidade e busquei uma vaga com a intenção de estudar piano, mas aqui no Acre não tem professor de piano erudito, então, entrei como corista. Também comecei a fazer aulas de Teoria da Música no Conservatório e entendi que a única forma de eu aprender piano erudito seria por conta própria, mas eu não tinha o instrumento nem condições de adquirir um, então, a direção do Conservatório permitiu que eu passasse a ir lá todos os dias para estudar”, conta a jovem.
Com o custo de transporte e a dificuldade de locomoção diária – Lorrana praticava no contraturno de seus estudos escolares –, o Conservatório acabou decidindo emprestar o piano eletrônico para a aluna estudar em casa. E assim foi por um ano, buscando aprender cada vez mais com videoaulas e treinos diários por cerca de 8 horas por dia.
No verão de 2020, a cheia do rio inundou a casa da família e o piano teve que ser retirado. Mas uma nova oportunidade surgia para Lorrana. Na preparação para a reinauguração das obras de revitalização do Teatro dos Náuas, em Cruzeiro do Sul, o governo do Estado do Acre pegou emprestado para o município um piano de cauda, que estava sem uso na capital Rio Branco. E a jovem foi convidada pelo Conservatório a apresentar uma peça de Frédéric Chopin, “Nocturne”.
“Quando vi o piano, me emocionei muito. Nunca pensei que ia ver um instrumento assim, um piano de cauda Yamaha. Trouxeram um afinador de piano de Porto Velho e depois que ele fez toda a manutenção, ficou incrível. Eu queria muito que o piano ficasse em Cruzeiro do Sul”.
Na noite da reinauguração do Teatro, em outubro de 2020, depois da apresentação de Lorrana, o governador do Acre Gladson Cameli fez um discurso e anunciou que o piano iria permanecer na cidade. A partir daí, Lorrana ganhou passe livre para ir ao teatro praticar todos os dias no instrumento.
“Passei a ir todos os dias para o teatro estudar piano, cerca de 6h por dia, ao mesmo tempo que cursava a escola e ajudava minha mãe em casa. Mas minha mãe me criou sozinha, me sustentou, então, no fim do ano passado, ao terminar o Ensino Médio, decidi que precisava trabalhar. Conversei com a direção do Conservatório. Então, pouco tempo depois, recebi um convite para dar aulas. Há três meses, dou aulas individuais de piano erudito para crianças e adolescentes no Conservatório Musical do Juruá. Minha ideia é fazer uma poupança para pagar estudos mais aprofundados de piano erudito e futuramente participar de editais para concessão de bolsas na área de música. A música não sai de mim”, diz a jovem Lorrana.
O Conservatório Musical do Vale do Juruá atua na formação musical de 400 crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social da cidade de Cruzeiro do Sul, que tem um dos piores índices de criminalidade do Acre.